A criatividade se tornou a qualidade mais desejada no mercado de trabalho.
O que fazer para aumentar a sua.
Lembre-se da última boa ideia que lhe ocorreu...
Ela pareceu vir do nada?
Você deixou que ela escorresse pelo ralo e não pensou mais nela?
Ou anotou, contou aos amigos e imaginou como aplicá-Ia em sua vida?
Se você é alguém que tem ideias originais, do tipo que assustam um pouco sua família, e gosta de tentar colocá-Ias em prática, chegou sua hora: esses pensamentos podem valer um emprego novo, um aumento ou mais negócios.
Pesquisa feita com os principais executivos de 1.500 empresas, de vários países, revelou que...
Eles consideram a criatividade o fator crucial para o sucesso atualmente.
Para que suas empresas consigam driblar as dificuldades e aproveitar as oportunidades, precisam de gente com ideias novas.
Outra pesquisa, feita pela consultoria de administração de pessoal Korn/Ferry, com 365 dirigentes de grandes empresas só na América Latina, chegou à mesma conclusão:
A habilidade de criar o novo e o diferente é a mais desejada por mais da metade dos dirigentes (56%).
A criatividade ficou à frente de capacidades fundamentais, como saber tomar decisões complexas e conduzir equipes rumo a resultados.
Por que as companhias simplesmente não treinam seus funcionários e fornecedores para ser mais criativos ou não saem por aí oferecendo aos criativos mais dinheiro?
A resposta: elas tentaram, mas chegaram à conclusão de que treinar ou encontrar gente criativa não é tão simples.
Os dirigentes entrevistados pela Korn/Ferry consideram a criatividade a habilidade mais rara de encontrar e também a mais dura de ensinar dentro dos ambientes de trabalho tradicionais (embora seja possível aumentar essa capacidade com o ambiente e os métodos certos).
Além disso, há indícios de que as pessoas altamente criativas estejam ficando mais raras.
Uma pesquisa nos Estados Unidos mostrou que, ao contrário dos quocientes populacionais de inteligência (Q.I.), que crescem a cada geração, a criatividade vem caindo.
O fenômeno foi observado pelo pesquisador Kyung Hee Kim, do College of William & Mary (uma importante universidade pública nos EUA).
Ele avaliou testes de criatividade feitos desde 1958 e aplicou um deles há dois meses a 300 mil americanos, adultos e crianças.
Segundo o cientista, as notas vinham subindo até 1990. De lá para cá caíram, especialmente entre crianças pequenas.
"Criar", tanto para os altos executivos entrevistados quanto para os cientistas que estudam o funcionamento do cérebro, é um conceito mais profundo do que "ter ideias diferentes".
Está mais para "ter ideias diferentes e utilizáveis, e ter o impulso de realizá-Ias".
"Criativo", por essa visão, não é aquele sujeito maluquinho, cheio de pensamentos vibrantes e caóticos, mas pouco prático.
O verdadeiro criativo trabalha. Ele pensa em como implementar as ideias e conhece os limites do mundo real, como escassez de material, dinheiro ou tempo - mesmo que seja para chutá-los para o alto.
Por que a criatividade se tornou mais desejada que todas?
Há o cenário do momento: uma crise que ameaça destruir as empresas menos espertas e pouco flexíveis.
Pensando no planeta, incluindo o Brasil, sabemos que o mundo ficou, a um só tempo, menos previsível para quem vende e mais generoso para quem compra.
Há abundância de oferta de produtos e serviços que tendem a se tornar mais baratos.
Mais empresas competem com maior eficiência por consumidores mais exigentes.
As companhias precisam cortar custos e oferecer novidades de forma acelerada.
O jeito velho de trabalhar não produz novidades na velocidade desejada.
Vai se destacar quem conseguir criar mais e criar bem.
Um exemplo é a arquiteta Sarah Torquato, mineira de 25 anos. Em quatro anos, ela passou de estagiária a coordenadora de lançamentos na construtora MRV.
Desde que começou a estagiar, Sarah depositou no banco de ideias da empresa 40 sugestões de como substituir materiais de construção por alternativas mais baratas, das quais 15 foram adotadas.
Ninguém contribuiu tanto. Suas recompensas pelas ideias chegaram a R$ 40 mil, dinheiro com que deu entrada num apartamento aos 24 anos.
Como uma pessoa tão jovem pode ser tão produtiva?
Sarah diz que muitas vezes acordava de madrugada com uma inspiração, anotava a ideia num caderninho e voltava a dormir . "Fico ligada em tudo, o tempo todo", diz.
Alguns amigos a criticaram pela quantidade de sugestões.
"Muita gente dizia: pare de dar ideias, a MRV já está rica." A empresa diz ter distribuído R$ 1 milhão em prêmios para os funcionários por ideias que lhe economizaram R$ 80 milhões.
Há ingredientes parecidos nas histórias do engenheiro químico Marcos Aurélio Detilio, que ofereceu sugestões de economia de energia aos clientes da empresa de engenharia e tecnologia Chemtech, em que trabalha, e conseguiu três promoções em quatro anos.
Ou de Arnaldo Gunzi, de 31 anos, que adaptou modelos matemáticos para melhorar o deslocamento de técnicos de telefonia no Recife e ganhou a oportunidade de trabalhar na Austrália;
Ou da chefe de cozinha Carole Crema, de 37 anos, uma das responsáveis por iniciar no Brasil a moda dos cup cakes, os bolinhos confeitados feitos em formas individuais.
Criatividade é essa capacidade de ver possibilidades que os outros não enxergam e contribuir com algo original e útil.
Embora prezem tanto a criatividade, a maioria das empresas não a apoia.
"Muitas, infelizmente, cerceiam a criatividade", diz Marco Antônio Lampoglia, diretor da consultaria Active Educação e Desenvolvimento Humano.
A estratégia mais usada é a dos brainstormings, reuniões em que a equipe joga ideias à vontade. Em geral são mal conduzidos e não trazem bons resultados.
Segundo Sofia Esteves, psicóloga e presidente da DMRH, consultoria de recursos humanos, o profissional criativo tende a se afastar de ambientes conservadores. Ele quer mais participação em vez de só cumprir ordens.
Ainda que a empresa não esteja de todo preparada para o profissional criativo, ele tem mais chances de brilhar.
Há dois movimentos cruciais para o modo de pensar criativo:
A DIVERGÊNCIA - ampliar perspectivas, fazer associações diferentes, recorrer a conceitos novos.
E a CONVERGÊNCIA - o foco nas aplicações práticas das novidades.
Os menos criativos recorrem a respostas conhecidas. Os mais criativos ousam com respostas alternativas, nem sempre bem vistas.
A mente criativa enxerga similaridades onde os outros só veem diferença.
A boa notícia é que é possível mudar nosso padrão de pensamento.
Algumas formas de soltar a criatividade: buscar analogias, deixar que a mente se perca em pensamentos e procurar novas experiências.
Estudar (aprender) sempre ajuda, pois amplia o repertório de informações que você pode recombinar.
"A criatividade tem menos a ver com um dom e mais com a forma como você absorve as informações e as conecta", diz o publicitário formado em história Flávio Cordeiro, sócio-proprietário da Binder Visão Estratégica, no Rio de Janeiro.
Quem observa um criativo em atividade fica tentado a tratar essa habilidade genericamente como inteligência. Mas há diferenças.
O teste de Q.I., Quociente Intelectual, mede habilidades mentais ligadas ao raciocínio lógico, à habilidade com cálculos e à visão espacial. É pouco útil para medir a criatividade.
Uma pessoa com Q.I. acima de 100 (a média) pode ser espertíssima e não ser muito criativa.
No livro Fora de série (editora Sextante, 2008), Malcolm Gladwell relata que POOLE E FLORANCE, dois estudantes do ensino médio na Inglaterra, ambos com alto Q.I., tiveram resultados muito diferentes num teste de divergência, um dos mais comumente usados para medir criatividade.
O teste consistia em listar a maior quantidade de usos que imaginassem para um tijolo. Poole descreveu cinco funções, algumas bem humoradas, como "para segurar o cobertor no lugar, coloque um tijolo em cada canto da cama" Florence ficou com "construir coisas" e "lançar". Demonstrou capacidade de dar respostas rápidas, mas convencionais.
Em situações complexas, sem respostas conhecidas, gente como Poole tende a levar vantagem.
Isso não significa que criatividade e raciocínio lógico caminhem separados.
"Quando o Q.I. é alto, normalmente também é alto o quociente de criatividade", diz a Ph.D. em psicopatologia experimental Shelley Carson, da Universidade Harvard.
Especializada na relação entre criatividade e saúde mental, ela ajudou a formular o teste mais difundido hoje para medir criatividade entre profissionais de alto desempenho, como cientistas e artistas premiados.
Também varia de pessoa para pessoa o jeito de criar.
Um modelo de avaliação criado nos anos 90 por pesquisadores liderados pela psicóloga Ruth Richards, da Universidade Saybrook, nos Estados Unidos, atribui notas de 0 a 5 à atividade criativa no trabalho.
A nota máxima vai para o inventor que tem ótimas ideias e não sossega enquanto não as realiza.
O nível um pouco abaixo, há os que têm muitas ideias, mas menos energia para implantá-Ias.
E há, ainda, os que têm poucas ideias, mas muita disposição e capacidade de persegui-Ias.
O potencial criativo também pode ser favorecido pelo ambiente. Às vezes é preciso mudar de ares, como fez Renato Ratier, filho de fazendeiros de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul.
A família de Ratier imaginava que ele trabalharia no agronegócio. Ele chegou a cursar Zootecnia, Direito e Administração, mas não se sentia realizado. Numa viagem à Califórnia, encantou-se com a riqueza cultural e decidiu estudar design lá.
Na volta, abriu vários negócios, entre eles uma casa noturna em que tocava música eletrônica em vez de sertaneja.
Ratier hoje se divide entre Campo Grande (onde moram sua mulher e os filhos) e São Paulo, para onde levou a D-Edge, considerada um dos clubes noturnos mais badalados do mundo.
Ratier poderia ter seguido no agronegócio, mas evitou um bloqueio clássico à originalidade, que é a tentativa de se encaixar no que é socialmente adequado.
“Nós censuramos nossos pensamentos.
Os "maus pensamentos" nem sequer vêm para a mente consciente", diz Shelley Carson.
Com essa censura, deixamos de acessar ideias originais.
Para reverter esse processo danoso, ela sugere "desligar" algumas partes censoras do cérebro.
Numa pesquisa de 2004, Shelley mostrou que existe uma correlação forte entre alto Q.I. (20% a 30% acima da média), baixa inibição latente (filtragem de estímulos, saber escolher quais informações devemos levar em conta ou ignorar) e alta criatividade.
Essa pesquisa ajuda a entender uma descoberta recente.
Em maio, pesquisadores da Universidade Karolinska, na Suécia, encontraram semelhanças no funcionamento do cérebro de pessoas criativas e no de pessoas esquizofrênicas ou que tenham histórico de esquizofrenia na família.
Uma das características do esquizofrênico é a falta de inibição latente - ele tem dificuldade de distinguir entre o que pensa e o que ouve e costuma fazer associações bizarras entre assuntos que a maioria não relaciona.
No livro Seu cérebro criativo, com lançamento previsto no Brasil para 2011, Shelley descreve alguns estados cerebrais que, segundo ela, favorecem pensamentos originais.
Entre eles estão:
O estado de conexão (um tipo de "atenção desfocada" após o estudo de temas complexos, que facilita conectar conceitos díspares).
O estado de visualização (que aproveita imagens, metáforas e pensamento não verbal para identificar padrões).
O estado de fluxo (em que o pensamento avança numa tarefa criativa, sem interrupção, como um músico improvisando).
"Novas descobertas da ciência sugerem que, com treinamento, podemos manipular a ativação de padrões cerebrais e formar novas conexões".
A ciência do cérebro tem evoluído muito desde que a tecnologia permitiu monitorar nossa atividade mental.
Cientistas da Rede de Pesquisa da Mente, em Albuquerque, Novo México, nos EUA, estão mapeando o cérebro para saber que impulsos bioquímicos e reações físicas ocorrem durante atividades criativas.
O estudo, com 65 pessoas até o momento, sugere que a criatividade perfaz caminhos tortuosos.
"Quando se trata da inteligência, o cérebro parece uma rodovia que nos leva do ponto A ao ponto B", diz Rex Lung, professor assistente do departamento de neurocirurgia da Rede. "Nas regiões do cérebro relacionadas à criatividade, parece haver várias rotas alternativas com desvios interessantes e retornos."
Já se sabe que sonhar acordado regularmente facilita o processo criativo para todo mundo.
O criativo deixa a mente viajar com o mínimo possível de censura, até que várias ideias boas tenham surgido, para só então verificar sua viabilidade.
"Para a criatividade, você precisa que sua mente divague", afirma Lonathan Schooler, da Universidade da Califórnia em Santa Barbara. "Mas também precisa ser capaz de perceber que está divagando e capturar a ideia quando ela aparece.
O criativo passa do pensamento divergente para o convergente, liberta-se para depois se enquadrar." Isso é completamente diferente de ser espontâneo, amalucado ou relapso. "Criatividade sem disciplina é um barco sem leme", diz o escritor Paulo Coelho, que capturou milhões de fãs no mundo com sua mistura de auto ajuda e misticismo. "O vento é a criatividade. Você vai manejando a vela."
Além de dedicação, diz o escritor, criar também depende de uma disposição para o risco e para se expor à rejeição. "Você tem de sair de sua zona de conforto. Ser criativo não significa que você vai ser bem sucedido. O criativo é criticado porque ele faz diferente, e muitas vezes é ridicularizado", diz Coelho.
A coragem de abraçar o ridículo pode ser uma arma criativa. Naturalmente desastrada, Daniella Giusti Adnet vivia fazendo troça de si mesma diante da família.
Tornou-se a humorista Dani Calabresa.
As risadas que ouvia inspiraram o desejo de se profissionalizar. Mas até criar com desenvoltura diante da plateia, em shows ao vivo latadas e na MTV, ela passou muito tempo sentada, escrevendo textos e pensando em personagens.
"Hoje, chego ao palco, jogo uns assuntos e vou enlouquecendo com a platéia. Essa é a parte mais gostosa: arriscar sem medo", diz.
Expor-se e improvisar num palco não é para quem se sente preso às convenções.
"Muitas mulheres não têm coragem de largar a vaidade e se expor ao ridículo, coisa que eu adoro fazer."
Não é só nos palcos (ou nas empresas) que a criatividade ajuda a ter sucesso.
Sem ela, a espécie humana não teria dominado a linguagem - a capacidade de criar e manipular símbolos. Nesse sentido, não existe ser humano que não seja criativo.
Mas, dados os desafios da vida moderna - relacionar-se com pessoas muito diferentes entre si, deparar com problemas inesperados na educação dos filhos, seduzir a pessoa amada -, é natural que o prêmio aos mais criativos seja maior.
James Kaufman, diretor do Instituto de Pesquisa do Aprendizado na Universidade do Estado da Califórnia:
"Os criativos tendem a ser mais felizes". (divertidos)
COMO SER MAIS CRIATIVO
Ter ideias e aplicá-Ias exige doses combinadas de Talento, Esforço, Hábito, Método.
Tudo isso pode ser treinado e melhorado.
Experimente outros pontos de vista.
Ao imaginar vários usos para um tijolo, pense como se fosse outra pessoa: um escultor, um pedreiro, um arruaceiro, um pintor, um jardineiro. O criativo abandona preconceitos (posições) e busca novos ângulos.
Busque e transponha.
Gutenberg inventou a prensa gráfica depois de conhecer a prensa de uvas numa vinícola. Às vezes, a solução (mesmo parcial) para um problema já existe, só precisa ser adaptada.
Procure analogias
Leonardo da Vinci teve a inspiração do helicóptero ao observar pássaros. Ele percebeu que o pássaro jogava o ar para baixo, mas usou o conceito num projeto completamente diferente, sem asas.
Abrace a originalidade
Buscar analogias ou transformar conceitos não significa imitar. Imitações impõem limites. Ao criar, pense em sua experiência, seu ponto de vista e em como isso pode tornar sua ideia única.
Aproxime-se de pessoas criativas
Mentes livres e pensantes estimulam-se mutuamente, compartilham pensamentos e deixam-se umas às outras confortáveis para expor ideias ousadas. É mais fácil ter boas ideias num ambiente já criativo.
Use duas ferramentas: foco e divagação
O criativo costuma, primeiro, estudar o desafio a enfrentar. Depois, relaxa e divaga. O cérebro continuará trabalhando sozinho. A boa resposta pode vir depois, no banho, ao volante, até em sonhos.
Capture ideias
Quando a mente viaja, os pensamentos criativos borbulham. Para criar, deve-se capturá-los antes que escapem. Registre e discuta as ideias que surgem, mesmo que não pareçam maduras ainda.
Trabalhe duro
Ser criativo não é só ter muitas ideias nem ter ideias pouco práticas. Ao persistir, correr risco e tirar a ideia do plano imaginário, ela mostra seus defeitos - e isso enriquece as próximas ideias.
VOCÊ É MAIS OU MENOS CRIATIVO?
Gente "sem criatividade" é algo que não existe. No entanto, alguns de nós criam mais e com maior facilidade que outros.
A criatividade se tornou a qualidade mais desejada no mercado de trabalho.
O que fazer para aumentar a sua.
Lembre-se da última boa ideia que lhe ocorreu...
Ela pareceu vir do nada?
Você deixou que ela escorresse pelo ralo e não pensou mais nela?
Ou anotou, contou aos amigos e imaginou como aplicá-Ia em sua vida?
Se você é alguém que tem ideias originais, do tipo que assustam um pouco sua família, e gosta de tentar colocá-Ias em prática, chegou sua hora: esses pensamentos podem valer um emprego novo, um aumento ou mais negócios.
Pesquisa feita com os principais executivos de 1.500 empresas, de vários países, revelou que...
Eles consideram a criatividade o fator crucial para o sucesso atualmente.
Para que suas empresas consigam driblar as dificuldades e aproveitar as oportunidades, precisam de gente com ideias novas.
Outra pesquisa, feita pela consultoria de administração de pessoal Korn/Ferry, com 365 dirigentes de grandes empresas só na América Latina, chegou à mesma conclusão:
A habilidade de criar o novo e o diferente é a mais desejada por mais da metade dos dirigentes (56%).
A criatividade ficou à frente de capacidades fundamentais, como saber tomar decisões complexas e conduzir equipes rumo a resultados.
Por que as companhias simplesmente não treinam seus funcionários e fornecedores para ser mais criativos ou não saem por aí oferecendo aos criativos mais dinheiro?
A resposta: elas tentaram, mas chegaram à conclusão de que treinar ou encontrar gente criativa não é tão simples.
Os dirigentes entrevistados pela Korn/Ferry consideram a criatividade a habilidade mais rara de encontrar e também a mais dura de ensinar dentro dos ambientes de trabalho tradicionais (embora seja possível aumentar essa capacidade com o ambiente e os métodos certos).
Além disso, há indícios de que as pessoas altamente criativas estejam ficando mais raras.
Uma pesquisa nos Estados Unidos mostrou que, ao contrário dos quocientes populacionais de inteligência (Q.I.), que crescem a cada geração, a criatividade vem caindo.
O fenômeno foi observado pelo pesquisador Kyung Hee Kim, do College of William & Mary (uma importante universidade pública nos EUA).
Ele avaliou testes de criatividade feitos desde 1958 e aplicou um deles há dois meses a 300 mil americanos, adultos e crianças.
Segundo o cientista, as notas vinham subindo até 1990. De lá para cá caíram, especialmente entre crianças pequenas.
"Criar", tanto para os altos executivos entrevistados quanto para os cientistas que estudam o funcionamento do cérebro, é um conceito mais profundo do que "ter ideias diferentes".
Está mais para "ter ideias diferentes e utilizáveis, e ter o impulso de realizá-Ias".
"Criativo", por essa visão, não é aquele sujeito maluquinho, cheio de pensamentos vibrantes e caóticos, mas pouco prático.
O verdadeiro criativo trabalha. Ele pensa em como implementar as ideias e conhece os limites do mundo real, como escassez de material, dinheiro ou tempo - mesmo que seja para chutá-los para o alto.
Por que a criatividade se tornou mais desejada que todas?
Há o cenário do momento: uma crise que ameaça destruir as empresas menos espertas e pouco flexíveis.
Pensando no planeta, incluindo o Brasil, sabemos que o mundo ficou, a um só tempo, menos previsível para quem vende e mais generoso para quem compra.
Há abundância de oferta de produtos e serviços que tendem a se tornar mais baratos.
Mais empresas competem com maior eficiência por consumidores mais exigentes.
As companhias precisam cortar custos e oferecer novidades de forma acelerada.
O jeito velho de trabalhar não produz novidades na velocidade desejada.
Vai se destacar quem conseguir criar mais e criar bem.
Um exemplo é a arquiteta Sarah Torquato, mineira de 25 anos. Em quatro anos, ela passou de estagiária a coordenadora de lançamentos na construtora MRV.
Desde que começou a estagiar, Sarah depositou no banco de ideias da empresa 40 sugestões de como substituir materiais de construção por alternativas mais baratas, das quais 15 foram adotadas.
Ninguém contribuiu tanto. Suas recompensas pelas ideias chegaram a R$ 40 mil, dinheiro com que deu entrada num apartamento aos 24 anos.
Como uma pessoa tão jovem pode ser tão produtiva?
Sarah diz que muitas vezes acordava de madrugada com uma inspiração, anotava a ideia num caderninho e voltava a dormir . "Fico ligada em tudo, o tempo todo", diz.
Alguns amigos a criticaram pela quantidade de sugestões.
"Muita gente dizia: pare de dar ideias, a MRV já está rica." A empresa diz ter distribuído R$ 1 milhão em prêmios para os funcionários por ideias que lhe economizaram R$ 80 milhões.
Há ingredientes parecidos nas histórias do engenheiro químico Marcos Aurélio Detilio, que ofereceu sugestões de economia de energia aos clientes da empresa de engenharia e tecnologia Chemtech, em que trabalha, e conseguiu três promoções em quatro anos.
Ou de Arnaldo Gunzi, de 31 anos, que adaptou modelos matemáticos para melhorar o deslocamento de técnicos de telefonia no Recife e ganhou a oportunidade de trabalhar na Austrália;
Ou da chefe de cozinha Carole Crema, de 37 anos, uma das responsáveis por iniciar no Brasil a moda dos cup cakes, os bolinhos confeitados feitos em formas individuais.
Criatividade é essa capacidade de ver possibilidades que os outros não enxergam e contribuir com algo original e útil.
Embora prezem tanto a criatividade, a maioria das empresas não a apoia.
"Muitas, infelizmente, cerceiam a criatividade", diz Marco Antônio Lampoglia, diretor da consultaria Active Educação e Desenvolvimento Humano.
A estratégia mais usada é a dos brainstormings, reuniões em que a equipe joga ideias à vontade. Em geral são mal conduzidos e não trazem bons resultados.
Segundo Sofia Esteves, psicóloga e presidente da DMRH, consultoria de recursos humanos, o profissional criativo tende a se afastar de ambientes conservadores. Ele quer mais participação em vez de só cumprir ordens.
Ainda que a empresa não esteja de todo preparada para o profissional criativo, ele tem mais chances de brilhar.
Há dois movimentos cruciais para o modo de pensar criativo:
A DIVERGÊNCIA - ampliar perspectivas, fazer associações diferentes, recorrer a conceitos novos.
E a CONVERGÊNCIA - o foco nas aplicações práticas das novidades.
Os menos criativos recorrem a respostas conhecidas. Os mais criativos ousam com respostas alternativas, nem sempre bem vistas.
A mente criativa enxerga similaridades onde os outros só veem diferença.
A boa notícia é que é possível mudar nosso padrão de pensamento.
Algumas formas de soltar a criatividade: buscar analogias, deixar que a mente se perca em pensamentos e procurar novas experiências.
Estudar (aprender) sempre ajuda, pois amplia o repertório de informações que você pode recombinar.
"A criatividade tem menos a ver com um dom e mais com a forma como você absorve as informações e as conecta", diz o publicitário formado em história Flávio Cordeiro, sócio-proprietário da Binder Visão Estratégica, no Rio de Janeiro.
Quem observa um criativo em atividade fica tentado a tratar essa habilidade genericamente como inteligência. Mas há diferenças.
O teste de Q.I., Quociente Intelectual, mede habilidades mentais ligadas ao raciocínio lógico, à habilidade com cálculos e à visão espacial. É pouco útil para medir a criatividade.
Uma pessoa com Q.I. acima de 100 (a média) pode ser espertíssima e não ser muito criativa.
No livro Fora de série (editora Sextante, 2008), Malcolm Gladwell relata que POOLE E FLORANCE, dois estudantes do ensino médio na Inglaterra, ambos com alto Q.I., tiveram resultados muito diferentes num teste de divergência, um dos mais comumente usados para medir criatividade.
O teste consistia em listar a maior quantidade de usos que imaginassem para um tijolo. Poole descreveu cinco funções, algumas bem humoradas, como "para segurar o cobertor no lugar, coloque um tijolo em cada canto da cama" Florence ficou com "construir coisas" e "lançar". Demonstrou capacidade de dar respostas rápidas, mas convencionais.
Em situações complexas, sem respostas conhecidas, gente como Poole tende a levar vantagem.
Isso não significa que criatividade e raciocínio lógico caminhem separados.
"Quando o Q.I. é alto, normalmente também é alto o quociente de criatividade", diz a Ph.D. em psicopatologia experimental Shelley Carson, da Universidade Harvard.
Especializada na relação entre criatividade e saúde mental, ela ajudou a formular o teste mais difundido hoje para medir criatividade entre profissionais de alto desempenho, como cientistas e artistas premiados.
Também varia de pessoa para pessoa o jeito de criar.
Um modelo de avaliação criado nos anos 90 por pesquisadores liderados pela psicóloga Ruth Richards, da Universidade Saybrook, nos Estados Unidos, atribui notas de 0 a 5 à atividade criativa no trabalho.
A nota máxima vai para o inventor que tem ótimas ideias e não sossega enquanto não as realiza.
O nível um pouco abaixo, há os que têm muitas ideias, mas menos energia para implantá-Ias.
E há, ainda, os que têm poucas ideias, mas muita disposição e capacidade de persegui-Ias.
O potencial criativo também pode ser favorecido pelo ambiente. Às vezes é preciso mudar de ares, como fez Renato Ratier, filho de fazendeiros de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul.
A família de Ratier imaginava que ele trabalharia no agronegócio. Ele chegou a cursar Zootecnia, Direito e Administração, mas não se sentia realizado. Numa viagem à Califórnia, encantou-se com a riqueza cultural e decidiu estudar design lá.
Na volta, abriu vários negócios, entre eles uma casa noturna em que tocava música eletrônica em vez de sertaneja.
Ratier hoje se divide entre Campo Grande (onde moram sua mulher e os filhos) e São Paulo, para onde levou a D-Edge, considerada um dos clubes noturnos mais badalados do mundo.
Ratier poderia ter seguido no agronegócio, mas evitou um bloqueio clássico à originalidade, que é a tentativa de se encaixar no que é socialmente adequado.
“Nós censuramos nossos pensamentos.
Os "maus pensamentos" nem sequer vêm para a mente consciente", diz Shelley Carson.
Com essa censura, deixamos de acessar ideias originais.
Para reverter esse processo danoso, ela sugere "desligar" algumas partes censoras do cérebro.
Numa pesquisa de 2004, Shelley mostrou que existe uma correlação forte entre alto Q.I. (20% a 30% acima da média), baixa inibição latente (filtragem de estímulos, saber escolher quais informações devemos levar em conta ou ignorar) e alta criatividade.
Essa pesquisa ajuda a entender uma descoberta recente.
Em maio, pesquisadores da Universidade Karolinska, na Suécia, encontraram semelhanças no funcionamento do cérebro de pessoas criativas e no de pessoas esquizofrênicas ou que tenham histórico de esquizofrenia na família.
Uma das características do esquizofrênico é a falta de inibição latente - ele tem dificuldade de distinguir entre o que pensa e o que ouve e costuma fazer associações bizarras entre assuntos que a maioria não relaciona.
No livro Seu cérebro criativo, com lançamento previsto no Brasil para 2011, Shelley descreve alguns estados cerebrais que, segundo ela, favorecem pensamentos originais.
Entre eles estão:
O estado de conexão (um tipo de "atenção desfocada" após o estudo de temas complexos, que facilita conectar conceitos díspares).
O estado de visualização (que aproveita imagens, metáforas e pensamento não verbal para identificar padrões).
O estado de fluxo (em que o pensamento avança numa tarefa criativa, sem interrupção, como um músico improvisando).
"Novas descobertas da ciência sugerem que, com treinamento, podemos manipular a ativação de padrões cerebrais e formar novas conexões".
A ciência do cérebro tem evoluído muito desde que a tecnologia permitiu monitorar nossa atividade mental.
Cientistas da Rede de Pesquisa da Mente, em Albuquerque, Novo México, nos EUA, estão mapeando o cérebro para saber que impulsos bioquímicos e reações físicas ocorrem durante atividades criativas.
O estudo, com 65 pessoas até o momento, sugere que a criatividade perfaz caminhos tortuosos.
"Quando se trata da inteligência, o cérebro parece uma rodovia que nos leva do ponto A ao ponto B", diz Rex Lung, professor assistente do departamento de neurocirurgia da Rede. "Nas regiões do cérebro relacionadas à criatividade, parece haver várias rotas alternativas com desvios interessantes e retornos."
Já se sabe que sonhar acordado regularmente facilita o processo criativo para todo mundo.
O criativo deixa a mente viajar com o mínimo possível de censura, até que várias ideias boas tenham surgido, para só então verificar sua viabilidade.
"Para a criatividade, você precisa que sua mente divague", afirma Lonathan Schooler, da Universidade da Califórnia em Santa Barbara. "Mas também precisa ser capaz de perceber que está divagando e capturar a ideia quando ela aparece.
O criativo passa do pensamento divergente para o convergente, liberta-se para depois se enquadrar." Isso é completamente diferente de ser espontâneo, amalucado ou relapso. "Criatividade sem disciplina é um barco sem leme", diz o escritor Paulo Coelho, que capturou milhões de fãs no mundo com sua mistura de auto ajuda e misticismo. "O vento é a criatividade. Você vai manejando a vela."
Além de dedicação, diz o escritor, criar também depende de uma disposição para o risco e para se expor à rejeição. "Você tem de sair de sua zona de conforto. Ser criativo não significa que você vai ser bem sucedido. O criativo é criticado porque ele faz diferente, e muitas vezes é ridicularizado", diz Coelho.
A coragem de abraçar o ridículo pode ser uma arma criativa. Naturalmente desastrada, Daniella Giusti Adnet vivia fazendo troça de si mesma diante da família.
Tornou-se a humorista Dani Calabresa.
As risadas que ouvia inspiraram o desejo de se profissionalizar. Mas até criar com desenvoltura diante da plateia, em shows ao vivo latadas e na MTV, ela passou muito tempo sentada, escrevendo textos e pensando em personagens.
"Hoje, chego ao palco, jogo uns assuntos e vou enlouquecendo com a platéia. Essa é a parte mais gostosa: arriscar sem medo", diz.
Expor-se e improvisar num palco não é para quem se sente preso às convenções.
"Muitas mulheres não têm coragem de largar a vaidade e se expor ao ridículo, coisa que eu adoro fazer."
Não é só nos palcos (ou nas empresas) que a criatividade ajuda a ter sucesso.
Sem ela, a espécie humana não teria dominado a linguagem - a capacidade de criar e manipular símbolos. Nesse sentido, não existe ser humano que não seja criativo.
Mas, dados os desafios da vida moderna - relacionar-se com pessoas muito diferentes entre si, deparar com problemas inesperados na educação dos filhos, seduzir a pessoa amada -, é natural que o prêmio aos mais criativos seja maior.
James Kaufman, diretor do Instituto de Pesquisa do Aprendizado na Universidade do Estado da Califórnia:
"Os criativos tendem a ser mais felizes". (divertidos)
COMO SER MAIS CRIATIVO
Ter ideias e aplicá-Ias exige doses combinadas de Talento, Esforço, Hábito, Método.
Tudo isso pode ser treinado e melhorado.
Experimente outros pontos de vista.
Ao imaginar vários usos para um tijolo, pense como se fosse outra pessoa: um escultor, um pedreiro, um arruaceiro, um pintor, um jardineiro. O criativo abandona preconceitos (posições) e busca novos ângulos.
Busque e transponha.
Gutenberg inventou a prensa gráfica depois de conhecer a prensa de uvas numa vinícola. Às vezes, a solução (mesmo parcial) para um problema já existe, só precisa ser adaptada.
Procure analogias
Leonardo da Vinci teve a inspiração do helicóptero ao observar pássaros. Ele percebeu que o pássaro jogava o ar para baixo, mas usou o conceito num projeto completamente diferente, sem asas.
Abrace a originalidade
Buscar analogias ou transformar conceitos não significa imitar. Imitações impõem limites. Ao criar, pense em sua experiência, seu ponto de vista e em como isso pode tornar sua ideia única.
Aproxime-se de pessoas criativas
Mentes livres e pensantes estimulam-se mutuamente, compartilham pensamentos e deixam-se umas às outras confortáveis para expor ideias ousadas. É mais fácil ter boas ideias num ambiente já criativo.
Use duas ferramentas: foco e divagação
O criativo costuma, primeiro, estudar o desafio a enfrentar. Depois, relaxa e divaga. O cérebro continuará trabalhando sozinho. A boa resposta pode vir depois, no banho, ao volante, até em sonhos.
Capture ideias
Quando a mente viaja, os pensamentos criativos borbulham. Para criar, deve-se capturá-los antes que escapem. Registre e discuta as ideias que surgem, mesmo que não pareçam maduras ainda.
Trabalhe duro
Ser criativo não é só ter muitas ideias nem ter ideias pouco práticas. Ao persistir, correr risco e tirar a ideia do plano imaginário, ela mostra seus defeitos - e isso enriquece as próximas ideias.
VOCÊ É MAIS OU MENOS CRIATIVO?
Gente "sem criatividade" é algo que não existe. No entanto, alguns de nós criam mais e com maior facilidade que outros.
A criatividade se tornou a qualidade mais desejada no mercado de trabalho.
O que fazer para aumentar a sua.
Lembre-se da última boa ideia que lhe ocorreu...
Ela pareceu vir do nada?
Você deixou que ela escorresse pelo ralo e não pensou mais nela?
Ou anotou, contou aos amigos e imaginou como aplicá-Ia em sua vida?
Se você é alguém que tem ideias originais, do tipo que assustam um pouco sua família, e gosta de tentar colocá-Ias em prática, chegou sua hora: esses pensamentos podem valer um emprego novo, um aumento ou mais negócios.
Pesquisa feita com os principais executivos de 1.500 empresas, de vários países, revelou que...
Eles consideram a criatividade o fator crucial para o sucesso atualmente.
Para que suas empresas consigam driblar as dificuldades e aproveitar as oportunidades, precisam de gente com ideias novas.
Outra pesquisa, feita pela consultoria de administração de pessoal Korn/Ferry, com 365 dirigentes de grandes empresas só na América Latina, chegou à mesma conclusão:
A habilidade de criar o novo e o diferente é a mais desejada por mais da metade dos dirigentes (56%).
A criatividade ficou à frente de capacidades fundamentais, como saber tomar decisões complexas e conduzir equipes rumo a resultados.
Por que as companhias simplesmente não treinam seus funcionários e fornecedores para ser mais criativos ou não saem por aí oferecendo aos criativos mais dinheiro?
A resposta: elas tentaram, mas chegaram à conclusão de que treinar ou encontrar gente criativa não é tão simples.
Os dirigentes entrevistados pela Korn/Ferry consideram a criatividade a habilidade mais rara de encontrar e também a mais dura de ensinar dentro dos ambientes de trabalho tradicionais (embora seja possível aumentar essa capacidade com o ambiente e os métodos certos).
Além disso, há indícios de que as pessoas altamente criativas estejam ficando mais raras.
Uma pesquisa nos Estados Unidos mostrou que, ao contrário dos quocientes populacionais de inteligência (Q.I.), que crescem a cada geração, a criatividade vem caindo.
O fenômeno foi observado pelo pesquisador Kyung Hee Kim, do College of William & Mary (uma importante universidade pública nos EUA).
Ele avaliou testes de criatividade feitos desde 1958 e aplicou um deles há dois meses a 300 mil americanos, adultos e crianças.
Segundo o cientista, as notas vinham subindo até 1990. De lá para cá caíram, especialmente entre crianças pequenas.
"Criar", tanto para os altos executivos entrevistados quanto para os cientistas que estudam o funcionamento do cérebro, é um conceito mais profundo do que "ter ideias diferentes".
Está mais para "ter ideias diferentes e utilizáveis, e ter o impulso de realizá-Ias".
"Criativo", por essa visão, não é aquele sujeito maluquinho, cheio de pensamentos vibrantes e caóticos, mas pouco prático.
O verdadeiro criativo trabalha. Ele pensa em como implementar as ideias e conhece os limites do mundo real, como escassez de material, dinheiro ou tempo - mesmo que seja para chutá-los para o alto.
Por que a criatividade se tornou mais desejada que todas?
Há o cenário do momento: uma crise que ameaça destruir as empresas menos espertas e pouco flexíveis.
Pensando no planeta, incluindo o Brasil, sabemos que o mundo ficou, a um só tempo, menos previsível para quem vende e mais generoso para quem compra.
Há abundância de oferta de produtos e serviços que tendem a se tornar mais baratos.
Mais empresas competem com maior eficiência por consumidores mais exigentes.
As companhias precisam cortar custos e oferecer novidades de forma acelerada.
O jeito velho de trabalhar não produz novidades na velocidade desejada.
Vai se destacar quem conseguir criar mais e criar bem.
Um exemplo é a arquiteta Sarah Torquato, mineira de 25 anos. Em quatro anos, ela passou de estagiária a coordenadora de lançamentos na construtora MRV.
Desde que começou a estagiar, Sarah depositou no banco de ideias da empresa 40 sugestões de como substituir materiais de construção por alternativas mais baratas, das quais 15 foram adotadas.
Ninguém contribuiu tanto. Suas recompensas pelas ideias chegaram a R$ 40 mil, dinheiro com que deu entrada num apartamento aos 24 anos.
Como uma pessoa tão jovem pode ser tão produtiva?
Sarah diz que muitas vezes acordava de madrugada com uma inspiração, anotava a ideia num caderninho e voltava a dormir . "Fico ligada em tudo, o tempo todo", diz.
Alguns amigos a criticaram pela quantidade de sugestões.
"Muita gente dizia: pare de dar ideias, a MRV já está rica." A empresa diz ter distribuído R$ 1 milhão em prêmios para os funcionários por ideias que lhe economizaram R$ 80 milhões.
Há ingredientes parecidos nas histórias do engenheiro químico Marcos Aurélio Detilio, que ofereceu sugestões de economia de energia aos clientes da empresa de engenharia e tecnologia Chemtech, em que trabalha, e conseguiu três promoções em quatro anos.
Ou de Arnaldo Gunzi, de 31 anos, que adaptou modelos matemáticos para melhorar o deslocamento de técnicos de telefonia no Recife e ganhou a oportunidade de trabalhar na Austrália;
Ou da chefe de cozinha Carole Crema, de 37 anos, uma das responsáveis por iniciar no Brasil a moda dos cup cakes, os bolinhos confeitados feitos em formas individuais.
Criatividade é essa capacidade de ver possibilidades que os outros não enxergam e contribuir com algo original e útil.
Embora prezem tanto a criatividade, a maioria das empresas não a apoia.
"Muitas, infelizmente, cerceiam a criatividade", diz Marco Antônio Lampoglia, diretor da consultaria Active Educação e Desenvolvimento Humano.
A estratégia mais usada é a dos brainstormings, reuniões em que a equipe joga ideias à vontade. Em geral são mal conduzidos e não trazem bons resultados.
Segundo Sofia Esteves, psicóloga e presidente da DMRH, consultoria de recursos humanos, o profissional criativo tende a se afastar de ambientes conservadores. Ele quer mais participação em vez de só cumprir ordens.
Ainda que a empresa não esteja de todo preparada para o profissional criativo, ele tem mais chances de brilhar.
Há dois movimentos cruciais para o modo de pensar criativo:
A DIVERGÊNCIA - ampliar perspectivas, fazer associações diferentes, recorrer a conceitos novos.
E a CONVERGÊNCIA - o foco nas aplicações práticas das novidades.
Os menos criativos recorrem a respostas conhecidas. Os mais criativos ousam com respostas alternativas, nem sempre bem vistas.
A mente criativa enxerga similaridades onde os outros só veem diferença.
A boa notícia é que é possível mudar nosso padrão de pensamento.
Algumas formas de soltar a criatividade: buscar analogias, deixar que a mente se perca em pensamentos e procurar novas experiências.
Estudar (aprender) sempre ajuda, pois amplia o repertório de informações que você pode recombinar.
"A criatividade tem menos a ver com um dom e mais com a forma como você absorve as informações e as conecta", diz o publicitário formado em história Flávio Cordeiro, sócio-proprietário da Binder Visão Estratégica, no Rio de Janeiro.
Quem observa um criativo em atividade fica tentado a tratar essa habilidade genericamente como inteligência. Mas há diferenças.
O teste de Q.I., Quociente Intelectual, mede habilidades mentais ligadas ao raciocínio lógico, à habilidade com cálculos e à visão espacial. É pouco útil para medir a criatividade.
Uma pessoa com Q.I. acima de 100 (a média) pode ser espertíssima e não ser muito criativa.
No livro Fora de série (editora Sextante, 2008), Malcolm Gladwell relata que POOLE E FLORANCE, dois estudantes do ensino médio na Inglaterra, ambos com alto Q.I., tiveram resultados muito diferentes num teste de divergência, um dos mais comumente usados para medir criatividade.
O teste consistia em listar a maior quantidade de usos que imaginassem para um tijolo. Poole descreveu cinco funções, algumas bem humoradas, como "para segurar o cobertor no lugar, coloque um tijolo em cada canto da cama" Florence ficou com "construir coisas" e "lançar". Demonstrou capacidade de dar respostas rápidas, mas convencionais.
Em situações complexas, sem respostas conhecidas, gente como Poole tende a levar vantagem.
Isso não significa que criatividade e raciocínio lógico caminhem separados.
"Quando o Q.I. é alto, normalmente também é alto o quociente de criatividade", diz a Ph.D. em psicopatologia experimental Shelley Carson, da Universidade Harvard.
Especializada na relação entre criatividade e saúde mental, ela ajudou a formular o teste mais difundido hoje para medir criatividade entre profissionais de alto desempenho, como cientistas e artistas premiados.
Também varia de pessoa para pessoa o jeito de criar.
Um modelo de avaliação criado nos anos 90 por pesquisadores liderados pela psicóloga Ruth Richards, da Universidade Saybrook, nos Estados Unidos, atribui notas de 0 a 5 à atividade criativa no trabalho.
A nota máxima vai para o inventor que tem ótimas ideias e não sossega enquanto não as realiza.
O nível um pouco abaixo, há os que têm muitas ideias, mas menos energia para implantá-Ias.
E há, ainda, os que têm poucas ideias, mas muita disposição e capacidade de persegui-Ias.
O potencial criativo também pode ser favorecido pelo ambiente. Às vezes é preciso mudar de ares, como fez Renato Ratier, filho de fazendeiros de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul.
A família de Ratier imaginava que ele trabalharia no agronegócio. Ele chegou a cursar Zootecnia, Direito e Administração, mas não se sentia realizado. Numa viagem à Califórnia, encantou-se com a riqueza cultural e decidiu estudar design lá.
Na volta, abriu vários negócios, entre eles uma casa noturna em que tocava música eletrônica em vez de sertaneja.
Ratier hoje se divide entre Campo Grande (onde moram sua mulher e os filhos) e São Paulo, para onde levou a D-Edge, considerada um dos clubes noturnos mais badalados do mundo.
Ratier poderia ter seguido no agronegócio, mas evitou um bloqueio clássico à originalidade, que é a tentativa de se encaixar no que é socialmente adequado.
“Nós censuramos nossos pensamentos.
Os "maus pensamentos" nem sequer vêm para a mente consciente", diz Shelley Carson.
Com essa censura, deixamos de acessar ideias originais.
Para reverter esse processo danoso, ela sugere "desligar" algumas partes censoras do cérebro.
Numa pesquisa de 2004, Shelley mostrou que existe uma correlação forte entre alto Q.I. (20% a 30% acima da média), baixa inibição latente (filtragem de estímulos, saber escolher quais informações devemos levar em conta ou ignorar) e alta criatividade.
Essa pesquisa ajuda a entender uma descoberta recente.
Em maio, pesquisadores da Universidade Karolinska, na Suécia, encontraram semelhanças no funcionamento do cérebro de pessoas criativas e no de pessoas esquizofrênicas ou que tenham histórico de esquizofrenia na família.
Uma das características do esquizofrênico é a falta de inibição latente - ele tem dificuldade de distinguir entre o que pensa e o que ouve e costuma fazer associações bizarras entre assuntos que a maioria não relaciona.
No livro Seu cérebro criativo, com lançamento previsto no Brasil para 2011, Shelley descreve alguns estados cerebrais que, segundo ela, favorecem pensamentos originais.
Entre eles estão:
O estado de conexão (um tipo de "atenção desfocada" após o estudo de temas complexos, que facilita conectar conceitos díspares).
O estado de visualização (que aproveita imagens, metáforas e pensamento não verbal para identificar padrões).
O estado de fluxo (em que o pensamento avança numa tarefa criativa, sem interrupção, como um músico improvisando).
"Novas descobertas da ciência sugerem que, com treinamento, podemos manipular a ativação de padrões cerebrais e formar novas conexões".
A ciência do cérebro tem evoluído muito desde que a tecnologia permitiu monitorar nossa atividade mental.
Cientistas da Rede de Pesquisa da Mente, em Albuquerque, Novo México, nos EUA, estão mapeando o cérebro para saber que impulsos bioquímicos e reações físicas ocorrem durante atividades criativas.
O estudo, com 65 pessoas até o momento, sugere que a criatividade perfaz caminhos tortuosos.
"Quando se trata da inteligência, o cérebro parece uma rodovia que nos leva do ponto A ao ponto B", diz Rex Lung, professor assistente do departamento de neurocirurgia da Rede. "Nas regiões do cérebro relacionadas à criatividade, parece haver várias rotas alternativas com desvios interessantes e retornos."
Já se sabe que sonhar acordado regularmente facilita o processo criativo para todo mundo.
O criativo deixa a mente viajar com o mínimo possível de censura, até que várias ideias boas tenham surgido, para só então verificar sua viabilidade.
"Para a criatividade, você precisa que sua mente divague", afirma Lonathan Schooler, da Universidade da Califórnia em Santa Barbara. "Mas também precisa ser capaz de perceber que está divagando e capturar a ideia quando ela aparece.
O criativo passa do pensamento divergente para o convergente, liberta-se para depois se enquadrar." Isso é completamente diferente de ser espontâneo, amalucado ou relapso. "Criatividade sem disciplina é um barco sem leme", diz o escritor Paulo Coelho, que capturou milhões de fãs no mundo com sua mistura de auto ajuda e misticismo. "O vento é a criatividade. Você vai manejando a vela."
Além de dedicação, diz o escritor, criar também depende de uma disposição para o risco e para se expor à rejeição. "Você tem de sair de sua zona de conforto. Ser criativo não significa que você vai ser bem sucedido. O criativo é criticado porque ele faz diferente, e muitas vezes é ridicularizado", diz Coelho.
A coragem de abraçar o ridículo pode ser uma arma criativa. Naturalmente desastrada, Daniella Giusti Adnet vivia fazendo troça de si mesma diante da família.
Tornou-se a humorista Dani Calabresa.
As risadas que ouvia inspiraram o desejo de se profissionalizar. Mas até criar com desenvoltura diante da plateia, em shows ao vivo latadas e na MTV, ela passou muito tempo sentada, escrevendo textos e pensando em personagens.
"Hoje, chego ao palco, jogo uns assuntos e vou enlouquecendo com a platéia. Essa é a parte mais gostosa: arriscar sem medo", diz.
Expor-se e improvisar num palco não é para quem se sente preso às convenções.
"Muitas mulheres não têm coragem de largar a vaidade e se expor ao ridículo, coisa que eu adoro fazer."
Não é só nos palcos (ou nas empresas) que a criatividade ajuda a ter sucesso.
Sem ela, a espécie humana não teria dominado a linguagem - a capacidade de criar e manipular símbolos. Nesse sentido, não existe ser humano que não seja criativo.
Mas, dados os desafios da vida moderna - relacionar-se com pessoas muito diferentes entre si, deparar com problemas inesperados na educação dos filhos, seduzir a pessoa amada -, é natural que o prêmio aos mais criativos seja maior.
James Kaufman, diretor do Instituto de Pesquisa do Aprendizado na Universidade do Estado da Califórnia:
"Os criativos tendem a ser mais felizes". (divertidos)
COMO SER MAIS CRIATIVO
Ter ideias e aplicá-Ias exige doses combinadas de Talento, Esforço, Hábito, Método.
Tudo isso pode ser treinado e melhorado.
Experimente outros pontos de vista.
Ao imaginar vários usos para um tijolo, pense como se fosse outra pessoa: um escultor, um pedreiro, um arruaceiro, um pintor, um jardineiro. O criativo abandona preconceitos (posições) e busca novos ângulos.
Busque e transponha.
Gutenberg inventou a prensa gráfica depois de conhecer a prensa de uvas numa vinícola. Às vezes, a solução (mesmo parcial) para um problema já existe, só precisa ser adaptada.
Procure analogias
Leonardo da Vinci teve a inspiração do helicóptero ao observar pássaros. Ele percebeu que o pássaro jogava o ar para baixo, mas usou o conceito num projeto completamente diferente, sem asas.
Abrace a originalidade
Buscar analogias ou transformar conceitos não significa imitar. Imitações impõem limites. Ao criar, pense em sua experiência, seu ponto de vista e em como isso pode tornar sua ideia única.
Aproxime-se de pessoas criativas
Mentes livres e pensantes estimulam-se mutuamente, compartilham pensamentos e deixam-se umas às outras confortáveis para expor ideias ousadas. É mais fácil ter boas ideias num ambiente já criativo.
Use duas ferramentas: foco e divagação
O criativo costuma, primeiro, estudar o desafio a enfrentar. Depois, relaxa e divaga. O cérebro continuará trabalhando sozinho. A boa resposta pode vir depois, no banho, ao volante, até em sonhos.
Capture ideias
Quando a mente viaja, os pensamentos criativos borbulham. Para criar, deve-se capturá-los antes que escapem. Registre e discuta as ideias que surgem, mesmo que não pareçam maduras ainda.
Trabalhe duro
Ser criativo não é só ter muitas ideias nem ter ideias pouco práticas. Ao persistir, correr risco e tirar a ideia do plano imaginário, ela mostra seus defeitos - e isso enriquece as próximas ideias.
VOCÊ É MAIS OU MENOS CRIATIVO?
Gente "sem criatividade" é algo que não existe. No entanto, alguns de nós criam mais e com maior facilidade que outros.